sexta-feira, 6 de junho de 2025

Cidade cearense tem uma das maiores reservas de lítio do País; conheça lugar

Ceará tem mais de 100 empresas pesquisando extração do mineral, essencial para baterias de carros elétricos. Escrito por Mariana Lemos mariana.lemos@svm.com.br

Negócios - imagem da capela mais antiga do Ceará, dedicada a nossa senhora de fátima, na cidade de Solonópole

Legenda: Cidade de Solonópole tem uma das maiores reservas de lítio do Brasil. Foto: Divulgação/Agência Diário

Um município de 18 mil habitantes no sertão cearense tem atraído interesse do mercado de carros elétricos e outros setores da indústria de alta tecnologia. É a cidade de Solonópole, na microrregião do sertão de Senador Pompeu, que tem uma das maiores reservas de lítio do Brasil.

O lítio é um mineral que se tornou estratégico nos últimos anos por compor a bateria de veículos elétricos e híbridos e soluções de armazenamento de energia renovável.

A Subprovíncia Pegmatítica de Solonópole foi inserida na terceira fase do projeto federal de Avaliação do Potencial do Lítio no Brasil. A onda de mineração na cidade, entretanto, tem riscos socioambientais. 

O Brasil tem a quinta maior reserva mundial de lítio e pode saltar de 2% para 25% da produção global do mineral nos próximos anos. O Ministério de Minas e Energia estima que os investimentos para a produção do mineral no Brasil vão atingir R$ 15 bilhões até 2030.

Um levantamento do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) aponta que há 3.749 processos de pesquisas para exploração de lítio no Brasil - 573 destes baseados no Ceará. 

“Você tem 519 empresas pesquisando o lítio no subsolo brasileiro e o Ceará é o segundo estado com o maior número de processos. São mais de cem empresas pesquisando o lítio no estado, com concentração muito grande no Sertão Central, mas também espalhado regionalmente em outros lugares”, explica Pedro D'Andrea, diretor nacional do MAM.

Não há clareza da real capacidade de minério presente em solo cearense. Pedro destaca que a extração do mineral está ainda no processo de especulação, caracterizado pelo expressivo aumento da demanda no mercado internacional. 

Mapa da Agência Nacional de Mineração que mostra projetos interessados em extrair lítio no Sertão Central do Ceará, principalmente na cidade de Solonópole

Legenda: Solonópole, no sertão central do Ceará, concentra grande parte dos projetos que querem minerar lítio

Foto: Reprodução/Agência Nacional de Mineração

“A estimativa da capacidade de lítio em Solonópole fica mais restrita às empresas que fazem avaliação para prospecção. É uma região que concentra bastante pesquisa, considerando a demanda mundial por lítio. O processo é jogar o preço do minério para cima, aumentando a demanda pelo minério”, avalia.

Diante do desconhecimento da capacidade brasileira e cearense, se torna necessária uma fiscalização atenta do processo, destaca.

“Há necessidade de maior fiscalização e transparência em todas as etapas do processo mineral ativo. Precisamos ter segurança de que essas empresas que solicitam pesquisar, por exemplo, calcário e encontram lítio nesse calcário, elas avisem, notifiquem a Agência Nacional de Mineração”, afirma. 

FASE DE ESTUDOS - A exploração mineral em solo brasileiro precisa ser autorizada pela Agência Nacional de Mineração. 

Os projetos interessados em extrair lítio do Ceará estão em regime de autorização de pesquisa, em que é realizada a definição da jazida e avaliação de aproveitamento econômico. As áreas máximas concedidas variam de 50 a 2.000 hectares.

Posteriormente, os projetos evoluem para permissão de lavra garimpeira, com regime de extração e aproveitamento dos minerais. 

A criação ou ampliação de áreas de garimpagem necessita de prévia licença do órgão ambiental competente, e não pode abranger terras indígenas.

A maior parte da extração de lítio no Brasil ocorre no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. A região, que tem um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, começou a ser minerada em 2023 pela multinacional Sigma Lithium. 

INTERESSE INTERNACIONAL NO SUBSOLO CEARENSE - A presença de depósitos de pegmatitos litiníferos (rochas ígneas ricas em lítio) em Solonópole é estudada desde pelo menos 1970, explica Clovis Vaz Parente, professor do departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O especialista destaca que, embora as rochas sejam numerosas, são relativamente pequenas. A maioria tem extensão menor que 100 metros e largura inferior a 10 metros. 

Se a exploração for autorizada, a empresa ou consórcio responsável pelo projeto que deve estabelecer os métodos de extração e beneficiamento do minério, a partir da viabilidade econômica a longo prazo. 

“Em relação aos pegmatitos de Solonópole, a lavra [conjunto de operações de extração do minério] mecanizada pode ser um processo oneroso por serem corpos relativamente pequenos”, avalia. 

100% DA REGIÃO É ALVO DE ESTUDOS - Segundo a Prefeitura de Solonópole, 100% do território da cidade é alvo de pesquisas de diferentes nacionalidades.

A maior parte das sondagens foi realizada na margem esquerda do Riacho do Sangue, o principal rio do município. A área apresenta a maior concentração de minerais industriais e semipreciosos.

“Os benefícios, na forma de oportunidades para nossos habitantes, royalties e demais recursos, são significativos. O desenvolvimento esperado não se restringe apenas a Solonópole. Vários municípios compartilharam esse progresso” avalia a gestão.

A prefeitura ressalta que os movimentos das empresas são acompanhados atualmente. “Vale destacar que a atividade de garimpagem no município é uma prática comum desde a década de 40 do século passado”, disse a gestão em nota. 

Clovis Vaz Parente reitera que há um interesse global na região, já que o lítio tem diversas aplicações em indústrias de alta tecnologia, de veículos eletrificados a smartphones.

A demanda parte principalmente de China, Austrália e Estados Unidos, que dominam a extração do mineral e a produção dos componentes eletrônicos. 

“No Nordeste, a maioria das empresas que trabalham com pegmatitos são brasileiras e centradas na descoberta, avaliação da reserva e extração dos minerais”, explica. 

O professor destaca ainda a chegada da empresa australiana Oceana Lithium para avaliar os depósitos de lítio cearenses, com investimento de R$ 22 milhões. Os resultados da pesquisa ainda não são conhecidos. 

RISCO SOCIOAMBIENTAL PARA A REGIÃO DE SOLONÓPOLE - Com o crescimento do interesse global na extração do minério, há um risco de atropelamento do processo de autorização da extração, alerta Pedro D'Andrea. Um das etapas do processo é o licenciamento ambiental, que está sendo afrouxado pelo Congresso Nacional.

“A demanda por lítio é grande e o preço sobe. A tendência é aproveitar essa variação no mercado internacional para conseguir a venda num processo considerado alto. Então a tendência é atropelamento dos processos”, afirma o diretor da MAM.

Pedro D'Andrea avalia que uma onda extração em massa do minério pode ter impactos socioambientais negativos para Solonópole, cidade que ocupa a 78ª posição no PIB do Ceará e está em uma região de insegurança hídrica.

"A extração de uma tonelada de lítio demanda cerca de 2 milhões de litros d'água. Para tentar materializar, a demanda é o equivalente a 222 carros-pipa. Isso significa uma capacidade de aprofundar os conflitos por água no estado, considerando que o Ceará apresenta um conjunto de municípios em calamidade hídrica”. 

Se for realizada a céu aberto, por meio de explosões, a exploração pode ter danos aos edifícios da região. Esse é o caso do Vale do Jequitinhonha, onde moradores denunciam que tiveram as casas rachadas com a dinamitação.

A comunidade também denuncia problemas respiratórios causados pela poeira, água contaminada e desvio de estradas locais.

Uma das denúncias mais graves é a ocupação de territórios de povos indígenas. Há um inquérito correndo Ministério Público Federal para apurar violações de direitos étnicos, raciais e territoriais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário