segunda-feira, 3 de março de 2025

SAIU NO DN Prefeituras no Ceará registram matrículas de alunos inexistentes na EJA com envio milionário de recursos, aponta CGU

Relatório publicado pelo órgão federal detalha ações de fiscalização em 35 municípios em todo o Brasil

Escrito por Bruno Leite bruno.leite@svm.com.br PontoPoder

Cidade de Solonópole, no interior do Ceará. Legenda: Solonópole (na foto) foi uma das cidades do Ceará em que irregularidades em matrículas foram identificadas. Foto: Divulgação.

Uma ação de fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU) identificou irregularidades em matrículas de estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em quatro municípios do interior do Ceará, registradas no Censo Escolar de 2022. A situação fez com que mais de R$ 15 milhões fossem destinados indevidamente pelo Governo Federal por meio de fontes de recursos da educação.

De acordo com documento, publicado na última quinta-feira (20), foram encontradas desde matrícula ativa para aluno morto antes do início do ano letivo, pessoas matriculadas que não souberam explicar como os documentos foram usados para realizar registros nas escolas, até situações em que as gestões escolares não conseguiram comprovar frequência dos alunos que constavam como matriculados.

As cidades cearenses mencionadas são: Pacujá, Monsenhor Tabosa, Palmácia e Solonópole. Elas integram uma lista de 35 municípios brasileiros, em 13 estados, que caíram na fiscalização da CGU. Conforme indicou o órgão federal, a amostra, não probabilística, foi definida com base em riscos. As irregularidades foram identificadas em 25 municípios.

Ao todo, pelo que informou o relatório, ao qual o Diário do Nordeste teve acesso, foram percorridos 934 km pelas equipes da CGU para chegar até as localidades cearenses que entraram no raio da fiscalização. 

Morto, mas matriculado - Foi em Monsenhor Tabosa que uma pessoa com registro de óbito anterior ao ano da matrícula, indicado desta maneira pelo Município no Censo Escolar, foi encontrada pelos servidores da Controladoria-Geral da União. 

O caso da municipalidade da região do Sertão dos Crateús é parecido com outros, identificados em mais seis cidades visitadas pelas equipes em todo o Brasil, que foram descobertos a partir do cruzamento de dados do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (SIRC) e da Receita Federal.

Prefeitura de Monsenhor Tabosa. Legenda: Prefeitura de Monsenhor Tabosa, município cearense onde pessoa morta antes de 2022, ano do Censo Escolar, constava como matriculada em turma da EJA. Foto: Reprodução / Google Street View

Matrículas não confirmadas nas entrevistas - Como parte da ação, agentes da CGU realizaram entrevistas nos municípios, com alunos adultos ou responsáveis, para que confirmassem a realização das matrículas e a intenção de frequentar as salas de aula na EJA. Ao todo, no Ceará, foram questionadas 129 pessoas, sendo 40 em Solonópole, 38 em Palmácia, 32 em Pacujá e 19 em Monsenhor Tabosa.

Nesta última, chamou a atenção da fiscalização o fato de que quatro pessoas declaradas como alunas no Censo em 2022 não confirmaram matrícula na EJA e alegaram, durante a entrevista, que não sabiam nem mesmo informar como conseguiram ter acesso aos seus documentos para matrícula.

Já em Pacujá, no Sertão de Sobral, dez pessoas disseram que chegaram a entregar os documentos para que fossem matriculadas em turmas formadas por educadores que realizaram busca ativa e queriam ser contratados, mas sem intenção em frequentar as aulas. Oito entrevistados não sabiam que estavam matriculadas. Apesar disso, todos constavam com 100% de frequência nos diários de classe.

Palmácia, localizada no Maciço de Baturité, teve nove entrevistados que reportaram não terem feito matrícula e que não frequentaram aulas. Apesar disso, oito deles apareceram com 100% de frequência nos diários de classe.

A mesma fase de entrevistas, quando realizada em Solonópole, no Sertão Central, revelou que duas pessoas não confirmaram registros de matrículas feitos na rede municipal de ensino na modalidade voltada para o ensino de jovens e adultos. 

Estimativas de matrículas não confirmadas - O Ministério da Educação (MEC) prevê que, além da efetivação da matrícula, haja uma frequência regular até a última quarta-feira de maio, o Dia Nacional do Censo Escolar da Educação Básica. As turmas devem estar em funcionamento, os alunos têm que frequentar — apresentando ao menos 75% de presença — e a rotina escolar tem que ser documentada nesse prazo. 

No entanto, a fiscalização constatou haver matrículas declaradas de alunos que deixaram de frequentar aulas até a data de referência e verificou ainda ausências ou inconsistências de documentos de controle de frequência de alunos.  

Os quatro municípios cearenses pegos na fiscalização apresentaram fragilidade do suporte documental dos registros — no caso, foi identificada a falta de documentos ou houve apresentação comprovações, como diários de classe, inconsistentes.

Assim, a CGU estimou que em Solonópole havia 1.536 matrículas inválidas na EJA, Monsenhor Tabosa um quantitativo de 1.119, Pacujá cerca de 671 e Palmácia 33. 

Prédio da CGU. Legenda: Equipes da CGU percorreram 934 km para chegar até as cidades fiscalizadas no CE. Foto: Reprodução / Controladoria-Geral da União

Impacto financeiro - Por conta do número de matrículas inválidas na Educação de Jovens e Adultos, foram transferidos indevidamente cifras milionárias, algo superior a R$ 15 milhões para as gestões listadas, oriundas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), do Salário-Educação e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

As estimativas de transferência indevidas foram detalhadas da seguinte maneira para três municípios cearenses fiscalizados que não comprovaram frequência: 

Monsenhor Tabosa: R$ 4.730.459,07 do Fundeb, R$ 241.408,75 do Salário-Educação e R$ 91.758,00 do PNAE;

Pacujá: R$ 2.844.124,25 do Fundeb, R$ 145.167,44 do Salário-Educação e R$ 55.022,00 do PNAE;

Solonópole: R$ 6.508.237,54 do Fundeb, R$ 332.026,84 do Salário-Educação e R$ 125.952,00 do PNAE. 

Em razão da baixa materialidade, Palmácia foi um dos municípios que não teve valores indevidos do EJA estimados pela CGU.

Segundo o relatório, mesmo que as distorções gerem ganhos extras para os municípios beneficiados, foram baixos os percentuais relativos às perdas dos demais entes de cada estado envolvido. Conforme mencionou um trecho do documento, o impacto foi mais significativo foi para a União, que ficou responsável pelos valores excedentes. 

Foram feitas recomendações ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para realizar um aperfeiçoamento dos controles internos do Censo Escolar, e ao MEC, para aprimorar a institucionalização da EJA e propor a revisão de práticas de gestão escolar das redes de ensino.

O Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE), ao ser indagado sobre um possível compartilhamento de informações pela CGU e possíveis medidas a serem tomadas ao nível estadual, destacou que, por ora, não recebeu formalmente qualquer comunicação sobre as irregularidades em questão. 

Mas ressalvou que poderá considerar tais descobertas em incursões futuras. “As informações relatadas foram registradas pela Secretaria de Controle Externo (Secex) e poderão ser consideradas no planejamento de ações de fiscalização de competência do TCE Ceará”, revelou.

O que dizem os citados - Num primeiro momento, na quarta-feira (26), quando questionado pela reportagem, o prefeito de Solonópole, Webston Pinheiro (PSD), atribuiu o problema à antecessora e aliada, a ex-prefeita Ana Vládia (PSD). “Estou me inteirando sobre essas inconsistências”, disse ele.

“Já tenho conhecimento de que foi apresentado uma defesa junto à CGU questionando e comprovando que as informações não procedem”, continuou. De acordo com Pinheiro, sua equipe levantaria dados que sustentassem sua versão e iria apresentá-los, o que não ocorreu.

Na quinta-feira (27), o mandatário de Solonópole, por meio de uma nota, informou que sua gestão, “tão logo tomou conhecimento dos apontamentos da CGU, determinou que os fatos fossem analisados detalhadamente e que as providências cabíveis fossem adotadas”. 

“Além disso, a Secretaria Municipal de Educação está revisando os processos de registro e controle de matrículas, fortalecendo os mecanismos de verificação para garantir a plena conformidade com as normativas educacionais e evitar quaisquer inconsistências futuras”, completou o comunicado, que também afirmou colaborar com os órgãos de controle.

A Prefeitura de Monsenhor Tabosa, por sua vez, respondeu que instaurou uma sindicância administrativa para apurar os fatos narrados pelo relatório. “O objetivo é identificar eventuais responsáveis e adotar as medidas cabíveis, garantindo a correta aplicação dos recursos públicos na educação”, disse a resposta enviada.

A administração de Pacujá, através da assessoria de comunicação, declarou que não foi informada oficialmente sobre o relatório e que tomará as providências cabíveis quando for notificada.

Na nota enviada pela equipe, o governo pacujaense falou que realizou matrículas na modalidade da EJA em 2022 e que, no segundo semestre daquele ano, o então prefeito foi afastado do cargo, “o que resultou em mudanças na administração municipal”. 

“O Censo Escolar daquele ano abriu um período para correção de informações no final do segundo quadrimestre e, posteriormente, para a inserção de dados sobre o fluxo escolar (admitidos, transferidos, evadidos, reprovados e aprovados) no primeiro bimestre de 2023. No entanto, tais atualizações já não estavam sob a responsabilidade da equipe gestora de 2022, devido às mudanças mencionadas anteriormente”, salientou.

A Prefeitura de Pacujá complementou ainda que trabalha “com transparência na alimentação dos dados da base do INEP/FNDE”.

O PontoPoder acionou a Prefeitura de Palmácia, por meio dos contatos de e-mail disponibilizados nos seus canais oficiais, a fim de obter explicações sobre o assunto. Não houve uma posição até a publicação desta matéria. O conteúdo será atualizado caso haja manifestação.
Leia mais na Fonte: Ponto Poder do Diário do Nordeste.

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