Novos cercamentos, saques e
monopólios corporativos surgem em todos os lugares atualmente. Assistir os
noticiários é como assistir RoboCop ou Blade Runner quando vemos coisas como o
leilão de bens do município feito pelo “gerente de emergências” de Detroit para
rentistas corporativos, idêntico ao que Paul Bremer fez no Iraque com a
Autoridade Provisória. Por tudo isso, é muito difícil que eu me surpreenda. Eu
só não esperava que os capitalistas corporativistas conseguissem um monopólio
sobre o desgosto em relação ao governo. E, no entanto, é isso que o acadêmico Andrew
Hoberek sugere (Noah Berlatsky, “Watchmen and Neoliberalism: An Interview with
Andrew Hoberek“, The Hooded Utilitarian, 15 de janeiro).
Hoberek
argumenta que o quadrinista Alan Moore, em Watchmen, foi motivado por uma
desconfiança em relação às instituições em geral que remontava, mais do que
tudo, ao espírito anti-establishment dos anos 1960. Esse espírito era forte em
boa parte da esquerda de então, mas, de acordo com Hoberek, “se tornou parte
integral do discurso da direita neoliberal”. Seu entrevistador, Noah Belatsky,
observa que a desconfiança das instituições “deixou de ser uma característica
compartilhada da esquerda e da direita no período da Guerra Fria para se tornar
uma marca do neoliberalismo”.
Uau!
Eu sou de esquerda e anarquista e desconfio muito do governo e de instituições
hierárquicas em geral. Eu não fazia ideia de que tinha aberto mão de meus
direitos a essa posição! Talvez Hoberek e Berlatsky pensem que a direita
adquiriu propriedade sobre essas ideias “antigoverno” por usucapião. Mas eu
tenho expressado essas ideias bem ativamente por muito tempo, então não acho
que minhas ações possam configurar abandono.
Hoberek
também considera o “desgosto por organizações” de Obama (em que universo?)
“problemático” porque, embora ele tenha origem em suas raízes na organização
comunitária, desde então “o sentimento antigoverno se tornou uma das maiores
ferramentas dos que estão no poder”.
A
questão mais importante que Hoberek ignora é que neoliberais como Reagan e
Thatcher desgostam tanto do governo quanto oligarcas burocráticos como Stalin
avançavam o socialismo (no sentido de poder genuíno da classe trabalhadora e
controle dos meios de produção). De fato, ativismo estatal é central ao modelo
de neoliberalismo que Thatcher e Reagan promoviam. O capitalismo corporativo
depende fortemente do estado para garantir às indústrias extrativas o acesso ao
petróleo e aos recursos minerais no exterior, para proteger o controle do
agronegócio sobre terras roubadas e para proteger a “propriedade intelectual” —
o monopólio protecionista mais central aos lucros corporativos nesta época. Ele
depende do estado para subsidiar seus custos de distribuição e o processamento
de “recursos humanos” na casa de centenas de bilhões de dólares ao ano e para
gastar centenas de bilhões a mais no emprego da capacidade industrial ociosa ou
para absorver os custos extras do investimento de capital na forma de dívida
pública. O capitalismo de Reagan provavelmente necessita de um estado maior do
que o modelo do New Deal.
O
“sentimento antigoverno” pode até ser uma grande ferramenta de propaganda do
neoliberalismo, dado que parte do público o aceita e apoia a agenda neoliberal
por pensar que realmente está defendendo a “livre iniciativa” e “tirar o
governo das nossas costas”. Mas a efetividade dessa cortina de fumaça
ideológica depende em grande parte dos críticos do capitalismo corporativo, que
também aceitam essa pose “antigoverno” dos neoliberais.
Aceitar
o rótulo “antigoverno” sem exame é uma tolice estratégica. O estado não é
apenas central para a sobrevivência do poder corporativo, mas servir aos
interesses das elites capitalistas tem sido a função principal do estado
americano — como a de todos os estados — desde o começo. Remover as estruturas
de apoio ao capitalismo corporativo é a única coisa capaz de destruí-lo. Então,
ao nos privarmos unilateralmente da oposição ao estado somente porque os
capitalistas neoliberais falsamente se apropriaram do rótulo “antigoverno” é o
mesmo que deixar de explorar uma das maiores vulnerabilidades do seu inimigo.
Permitir
que o inimigo defina as suas categorias conceituais é o mesmo que perder a
batalha antes de lutar.
Kevin Carson é ativista e
pesquisador sênior do Centro por uma Sociedade Sem Estado (c4ss.org). O endereço original do texto é http://c4ss.org/content/35732
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