Trabalho de fazer o ECA funcionar esbarra em dificuldades como atraso de salários e até falta de equipamentos. Reportagem: José Avelino Neto - Colaborador.
Banabuiú. A última sexta-feira (18) foi marcada pelo Dia do Conselho Tutelar. Mas a situação atual vivida pelos cidadãos encarregados de assegurar os direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Interior do Estado mostra uma realidade difícil. Os problemas se acumulam, prejudicando o rendimento dos agentes e refletem uma situação de precariedade.
Neste Município do Sertão Central, distante 220Km da Capital, os cinco conselheiros estavam até pouco tempo com o salário atrasado. A conselheira Neide Gustavo, mãe há três meses, demonstrava preocupação. "Se fosse preciso levar meu filho para um pediatra, comprar um remédio, eu iria comprar com quê?", desabafou Neide.
A Lei determina que o Conselho tenha sede própria, o que também não acontece em Banabuiú. O expediente funciona em uma sala da Secretaria de Assistência Social. A secretária de assistência social, Sâmia Cristina Oliveira, reconhece as dificuldades, mas analisa que também houve avanços.
"Temos que melhorar, sim, muita coisa. Mas é preciso reconhecer que também teve muita coisa que avançou. As diárias estão atrasadas. Mas uma coisa é você não ter direito. Outra coisa é você, mesmo que esteja atrasado, ter a garantia que vai receber", explicou.
Dificuldades - Problemas estruturais são uma constante em quase todas as unidades da região. Em Solonópole, o carro usado pelo Conselho foi levado em abril deste ano. Até então não havia um local seguro para guardar o veículo, que era deixado no estacionamento do hospital da cidade. A Polícia recuperou o carro e somente depois do furto, o veículo passou a ser deixado em local adequado.
"O maior problema continua sendo a estrutura. E agora, neste fim de mandato, ficou pior porque eles estão com cortes de gastos e isso acaba comprometendo o nosso trabalho", disse uma conselheira que pediu para não ser identificada. Ela também contou que, após uma visita de promotores, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) solicitou melhorias na estrutura do local, mas, mesmo com o parecer, "ainda não fizeram nada", frisou a conselheira.
Em Caridade, também na região Central, não há sequer um carro para a equipe. "Nós não temos um carro próprio, a serviço do Conselho", revelou a conselheira Elizângela Martins. "Para falar a verdade, nós temos dificuldades em tudo. Nossa sede não é própria, o computador que tem não presta e não temos impressora. Para imprimir um relatório tem que ir à Prefeitura", disse Elizângela.
Além disso, chama a atenção de que nem sempre o telefone da unidade de Caridade funciona. Receber alguém é constrangedor, conta ela, porque cadeiras e birôs estão deteriorados. Como se não bastasse, Elizângela diz que o pagamento da equipe está atrasado.
Centro Sul e Cariri - Na região Centro-Sul, a maioria dos Conselhos Tutelares vive uma realidade semelhante. A principal queixa é a questão salarial e a falta de estrutura. Na cidade de Iguatu, a sede é alugada. Os computadores serão devolvidos até o fim do ano à empresa, pois são locados. "Temos uma defasagem salarial desde 2005", disse o conselheiro Cristiano Martins. "Vamos procurar o Ministério Público para pedir apoio para obtenção de uma nova sede e um lugar adequado de trabalho", frisou.
Na região do Cariri, a mudança na situação de dificuldade veio após uma recomendação do MPCE. Em junho deste ano, o órgão recomendou que a Prefeitura de Crato ofertasse serviços básicos de Saúde, Educação e Assistência Social, atendendo às requisições emanadas pelo Conselho Tutelar daquela cidade.
Dois meses depois, em face de diversas dificuldades apontadas pelos conselheiros tutelares do município de Barbalha, o MPCE entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) com pedido de tutela antecipada para que a Prefeitura ofereça melhor infraestrutura ao Conselho.
Em Juazeiro do Norte, a mobilização dos dez conselheiros - cinco em cada um dos conselhos da cidade - surtiu efeito. De acordo com as informações de Aron Mota, ex-presidente da unidade local, problemas como nova sede e mobílias e o reajuste salarial foram atendidos.
A principal queixa atualmente é a limitação do veículo utilizado para atender as demandas. "A cota de combustível foi reduzida e estamos rodando com uma bateria emprestada. Esse problema acaba afetando um pouco nosso trabalho. Por vezes, temos que fazer vista grossa em algumas demandas por não ter combustível, por exemplo".
Descaso - O presidente da Associação dos Conselheiros, Ex-Conselheiros Tutelares e Suplentes do Estado do Ceará (Acontesce), Eulógio Alves Neto, acompanha o trabalho dos Conselhos desde 2001 e avalia a situação como um descaso. "Muitos ainda precisam entender a importância que um conselheiro tem na sociedade. Às vezes a sua presença resolve o problema, mas ele encontra muita dificuldade para atuar", disse.
Mais de 950 conselheiros atuam no Estado, espalhados por 192 sedes. Cuidar de um Conselho, segundo Eulógio, é bem mais simples e barato do que se imagina. Mesmo assim, prevalecem os relatos onde a estrutura é inexistente. "Muitos gestores têm pouca ou nenhuma atenção".
Autonomia - A titular da Delegacia de Defesa da Criança e do Adolescente (Dececa), Ivana Timbó, lembra que, para que possam auxiliar na resolução dos casos, as sedes e equipes precisam de autonomia. Elas têm que ter viaturas apropriadas, estrutura para funcionar. Aqui na Dececa, quando não temos a ajuda de um conselheiro, é como se faltasse um braço da gente", diz Ivana.
Eulógio avalia que o MPCE deve se valer dessas situações para cobrar uma mudança nessa realidade. "No Interior, usa-se muito disso: não votou em mim, vai comer o pão amassado e água quente", pontuou Eulógio Neto. "Você nunca vai ver conselheiro cobrando aumento de salários. Você vai ver ele cobrando do gestor público estrutura para funcionar e atender bem", disse.