No último dia 14, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
liberou o uso medicinal do canadibiol (CDB), um dos princípios ativos da
maconha. A aprovação veio após mais de 9 meses desde que o vídeo Ilegal foi lançado no
Youtube, o qual expunha como o estado brasileiro impedia uma mãe de tratar
legalmente de sua filha de 5 anos que sofre de uma forma rara de epilepsia ao
vetar o uso medicinal da maconha. A única alternativa da mãe, Katiele, era a
desobediência civil, com a importação ilegal do remédio.
A mobilização que se seguiu ao vídeo foi
impressionante e forçou o estado a ceder, mesmo que atrasado: enquanto os
burocratas discutiam, Gustavo Guedes, de um ano e quatro meses, que sofria da
Síndrome de Dravet e aguardava a liberação do CDB, morreu em junho do ano
passado.
A recente aprovação foi uma vitória, mas
parcial, como afirma Rafael Morato Zanatto (“CDB: vitória com sabor de
derrota“, Cannabica). De acordo com Zanatto, o lobby reacionário
pressionou para que a vitória fosse apenas parcial: o CDB foi aprovado, mas o
THC não — embora não exista extrato de CDB sem THC. O objetivo desses setores é
dissociar completamente o uso medicinal do uso recreativo da maconha, mesmo que
para isso tenham de contradizer-se ou ignorar evidências:
Na
reunião em que foi decidida [a] reclassificação do CBD, foi dito que não há
evidências de que o THC possua qualquer atribuição medicinal. A Anvisa parece
não conhecer ou ter raiva de quem conhece as funções medicinais do THC, como
para dores crônicas e esclerose múltipla, como foi tratado detalhadamente no IV
Simpósio Internacional de Cannabis Medicinal.
Também não há ainda qualquer possibilidade de
produção nacional do CDB. É possível importá-lo legalmente, mas as perspectivas
para sua produção no próprio Brasil são escassas.
De fato, o plantio por pessoas físicas continua
completamente vedado; apenas pessoas jurídicas podem solicitar autorização e
fazer o plantio, deixando os usuários à mercê das corporações.
Rafael recomenda que, em face dessa situação,
deve haver um aprofundamento do debate e da mobilização da sociedade civil:
O que
temos pela frente? “Devemos trabalhar pela base, mais e mais pela base”, a
partir da difusão de ideias e modelos, paradigmas capazes de atender a demanda
nacional pela maconha. Não falo aqui da divulgação midiática, […] mas de um
profundo trabalho de organização da sociedade civil, a partir de associações,
movimentos antiproibicionistas, pesquisas acadêmicas, condensando esforços para
a ampliação das liberdades civis e do desenvolvimento de uma indústria
competitiva de cannabis.
Mas a mobilização deve ir além. Todas as drogas
devem ser descriminalizadas e legalizadas imediatamente. A guerra às drogas
como um todo precisa acabar. E é preciso conscientizar o público que a
insegurança de nossas cidades é causada pela criminalização dessas substâncias.
A tendência para o endurecimento das leis de
drogas brasileiras é clara após as eleições de 2014, que elegeu vários
congressistas com palanques estridentes antidrogas. O discurso é de
endurecimento a legislação criminal para “garantir” segurança aos brasileiros.
É uma receita demagógica para o fracasso e para a paulatina supressão de
direitos individuais.
Portanto, é momento de celebrar que essa batalha
pela maconha medicinal foi vencida. Afinal, a demora do estado em ceder à sua
aprovação era medida pelo sofrimento e pela morte de crianças deficientes. Mas
a guerra às drogas continua — outra guerra cujo impacto é medido em mortes pelo
tráfico e pela polícia.
A bandeira da legalização das drogas — para uso
medicinal e recreativo — é a bandeira da paz e da liberdade. Para o estado, o
CDB e o THC são apenas siglas e o combate às drogas é só mais uma estatística.
Para a sociedade, são vidas.
Valdenor Júnior é advogado e colunista do Centro por uma Sociedade Sem
Estado (c4ss.org)
Nenhum comentário:
Postar um comentário