A estiagem bebe as últimas águas do açude Banabuiú.
O volume do reservatório seca dia a dia, desde 2010. Pescadores colocam canoas
à venda, muitos vão se despedindo.
Foto Fabio Lima: Antônio Gomes da Silva caminha muito para pescar no resto d'água que sobrou do Banabuiú. E volta sempre sem peixe.
Foto Fabio Lima: Antônio Gomes da Silva caminha muito para pescar no resto d'água que sobrou do Banabuiú. E volta sempre sem peixe.
Especial Seca - Há três modos significativos de se medir a situação
hídrica do açude Banabuiú, o terceiro maior reservatório de água do Ceará,
localizado no município homônimo (a
214,3 quilômetros de Fortaleza).
No monitoramento do Portal Hidrológico do Ceará
(www.hidro.ce.gov.br), elaborado pela Fundação Cearense de Meteorologia e
Recursos Hídricos (Funceme), o açude está com 1,11% do volume total (registro
da última sexta-feira, dia 3, data de fechamento desta matéria).
Noutra medição, o percentual significa 20 minutos de
caminhada (pelo menos), açude adentro, até reencontrar a água. É incrível, no
sentido do espanto, cruzar com o gado catando pasto onde era profundidade. O
mato cresce onde havia peixe.
E um terceiro modo de se mensurar a situação atual
do Banabuiú é conversar com as pessoas que tinham o açude como companhia, como
parte da casa e da vida: a seca do reservatório tem a dimensão da tristeza de
quem vê o açude agonizar.
O pescador Antônio Gomes da Silva, 45, pai de dois
filhos, atravessa a desesperança para insistir outra vez. Vem do lado de lá do
açude, do povoado de Curral do Meio, antes mesmo do sol. Volta com quase nada:
“Aqui, tem dia que não pega (peixe) nem pra comer. Nem de tarrafa, nem de
linha. Só tem água no caixão (meio) do rio”.
O máximo que Antônio consegue pescar, neste quinto
ano de estiagem, “é pescada pequena. É nascendo e pescando, não dá tempo
esperar crescer porque, se não, nós morre de fome”. No ofício desde os 11 anos
de idade, brincando e aprendendo com as águas, “dá uma tristeza ver o açude
assim”, expressa. “Quando tava cheio,
encostava nesse pé de cajarana”, ele aponta o quintal de uma das casas de
taipa, no alto do povoado do Boqueirão (o primeiro de pescadores locais), que
margeavam o antigo Banabuiú.
A construção da barragem Arrojado Lisboa (nome de
batismo oficial) se deu entre 1952 e 1966, guardam os arquivos do Departamento
Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs: www.dnocs.gov.br). O açude bebe do
rio Banabuiú e, traça o Dnocs, dá suporte à irrigação das terras do Baixo
Jaguaribe, à piscicultura e ao aproveitamento das áreas em redor. Em maio de
2009, aconteceu o último sangramento. Uma festa para os olhos.
Com capacidade - segundo o Dnocs - para 1,7 bilhão
de metros cúbicos de água (imagine um mundo dentro dele, como concebe o povo),
o Banabuiú fez, do nada, paisagem e alimento para quem tinha fome de beleza e
de dignidade.
Café e gentileza - Curimatã, tilápia, branquinho e o tanto mais de
peixe que coubesse na canoa era uma espécie de ouro garimpado das águas do
açude Banabuiú. Fazia a fartura e a alegria daquele povo de alma simples e
apegado ao lugar. “Minha vida sempre foi pescar”, une Genival Maia Barreiros,
presidente da Colônia de Pescadores Z-14.
Dos 59 anos, 40 foram debaixo do sol, morando, de
tempos em tempos, “no beiço d´água” e comendo “peixe e farinha”. Genival até
estudou “um pouco”, fez o segundo grau, tirou carteira de motorista, dirigiu
ônibus e se tornou fotógrafo em São Paulo. Mas a vida grande foi junto do
Banabuiú. “A gente se apega com aquilo, se acomoda e a vida passa. O que prende
mesmo a gente é o gostar”, emenda, velando o açude.
O sol já esquentava a prosa, iniciada às 5 da manhã,
quando Genival se desculpa pela falta de um cafezinho, uma tapioca, uma
gentileza tão própria dos sertões: “Ninguém oferece nada porque ninguém tem”.
OpovoOnLine.
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Ana Mary C. Cavalcanteanamary@opovo.com.br
Cláudio Ribeiroclaudioribeiro@opovo.com.b
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