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quinta-feira, 8 de maio de 2014

Como Getúlio Vargas se apropriou do Dia do Trabalho

 - Na última quinta-feira (01/05), foi Dia do Trabalho (também chamado de Dia do Trabalhador), feriado nacional. Desde a adoção pela Segunda Internacional do 1º de Maio como Dia do Trabalho, em apoio à campanha dos sindicatos de Chicago, nos EUA, pela jornada de 8 horas que havia sido reprimida em 1886, o 1º de Maio se tornou uma questão politicamente sensível para os governos do final do século 19 e início do 20, dada a agitação operária em torno da data.
A primeira forma politicamente conveniente para acabar com a organização operária foi a repressão. Assim, naturalmente, também foi usada contra o 1º de Maio. Mas, dada a própria natureza da política, um segundo passo estratégico geralmente foi a captura, de modo a cooptar certos interesses e colocá-los sob controle estatal. “Se não puder vencê-los, junte-se a eles”, desde que o estado tenha a palavra final sobre a organização do trabalho.
No Brasil, não foi diferente. Durante seu primeiro período de governo (1930-1945) e especialmente na época do ditatorial Estado Novo (1937-1945), o país viu-se sob o comando de Getúlio Vargas, que buscou angariar o apoio dos trabalhadores industriais do país. Ele criou a Justiça do Trabalho, no dia 1º de Maio de 1939, para julgar os litígios decorrentes das novas leis trabalhistas criadas desde 1930. Ele anunciou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no dia 1º de Maio de 1943, que vigoram até hoje como principal código a reger o trabalho assalariado no país.
Percebem a transformação no significado do 1º de Maio sob Getúlio? O Estado Novo conseguiu cooptar para si a manifestação espontânea dos trabalhadores em busca de melhora nas condições industriais, e transformá-la em signo de legitimidade de um Estado repressor, burocrático e centralizador.
O que pensariam os inúmeros anarquistas por trás das movimentações em Chicago, que deram origem ao 1º de Maio original, em saber que esta data foi usada como marco da criação, por um ditador autoritário, de uma legislação trabalhista inspirada na Carta Del Lavoro do regime corporativista e fascista de Mussolini na Itália, contemporâneo ao de Getúlio no Brasil?
É importante sempre recordar duas coisas a respeito desse período de nosso país. Primeiro, a via burocrática-gerencial para a economia, como alternativas ao liberalismo e ao socialismo estatista, era bem vista ao redor do mundo, e esta via era nada menos do que o regime econômico adotado pelos regimes nazista e fascista, com o controle do Estado sobre a economia, mas sem a propriedade estatal dos meios de produção.
Getúlio Vargas se inscrevia nesta linha. Uma das coisas requeridas por aquela forma de organização econômica, contrária tanto à “anarquia da produção de mercado” como à “subversão comunista”, era o controle sobre as movimentações espontâneas dos trabalhadores. As organizações sindicais precisavam ser controladas, reguladas, burocratizadas, supervisionadas, tornadas aliadas do governo. Por isso, o caminho natural foi a criação do monopólio sindical no Brasil: um único sindicato para representar a categoria em determinado território, no jargão jurídico, a “unicidade sindical”. Foi-se tão longe que hoje, sejam sindicalizados ou não, todos os trabalhadores devem pagar um tributo estatal em proveito dos sindicatos, a chamada contribuição sindical. O que pensariam aqueles anarquistas do 1º de Maio original sobre os sindicatos que extraem impostos de seus membros?!
Em segundo lugar, a captura política e a ressignificação centralizada de movimentações espontâneas do povo foram marcas registradas de Getúlio Vargas. Até o carnaval, antes comemorado pelo povo de modo mais anárquico, foi transformado para se assemelhar a um desfile militar, o que até hoje condiciona o formato dos “desfiles das escolas de samba”. Ângela de Castro Gomes nos mostra que o Estado Novo adotou uma política cultural que valorizou certas expressões afrodescendentes e populares, mas ao custo de sua espontaneidade e autoafirmação:
“Diversas pesquisas recentes têm aberto caminho para se pensar o quanto associações recreativas, esportivas, carnavalescas e dançantes da população negra e pobre das cidades, especialmente na capital, conseguiram legitimar-se na Primeira República, ao buscarem (e conseguirem) autorizações e direitos na relação com as instituições republicanas, autoridades municipais e policiais. E bem antes dos anos 20! Em meio a perseguições policiais cotidianas – que também eram comuns no pós-30 – grupos carnavalescos impuseram às cidades suas formas de socialização e de brincar o carnaval. Por outro lado, se o apoio dos órgãos culturais e políticos do Estado Novo valorizaram expressões culturais negras e populares, as operações de escolha do que era o verdadeiro popular e nacional nunca deixaram de ser seletivas e de envolver uma boa dose de perseguição ou de censura aos candomblés, às organizações de lazer populares e às letras de samba.”
E o Dia do Trabalho no Brasil, sob essa perspectiva legitimadora que o liga à CLT e aos sindicatos monopolísticos, nem sequer é um dia para toda a classe trabalhadora, uma vez que não se pode afirmar que as leis trabalhistas e a organização sindical tragam benefícios a todos os trabalhadores brasileiros.  Mais de 40% deles está na informalidade e no comércio ambulante, como resultado da própria regulamentação trabalhista. Se nem todos os benefícios trabalhistas realmente fazem diferença para o trabalhador formal, e alguns até podem prejudicá-lo (como a poupança forçada no FGTS sob o menor rendimento do mercado), para o informal, fazem menos diferença ainda.
Para essa parcela da força de trabalho, benefícios trabalhistas a serem celebrados sob a bênção de autoridades governamentais “protetoras” do trabalhador não significam nada, em especial para camelôs e ambulantes, porque a polícia geralmente os reprime, sob várias justificativas, desde a ausência de licenças até revogações discricionárias destas. O 1º de Maio é mais um dia de pouco movimento em que não vale à pena tentar vender algo nas ruas, em uma economia informal que, anualmente, movimenta centenas de bilhões de reais, e que faz isso contornando o poder do estado.
O estado não representa a massa de trabalhadores. O estado enfraqueceu a luta dos verdadeiros trabalhadores e burocratizou as organizações espontâneas do trabalho. É tempo de pegar de volta o 1º de Maio. Valdenor Júnior é advogado e associado do Centro por uma Sociedade Sem Estado.

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